segunda-feira, 2 de abril de 2012

TRATADO DE VERSALHES (1919)




Georges Clemenceau (1841-1929), “O Tigre”, presidente do Conselho de Ministros da França e da Conferência de Paz de Paris, percorre o Palácio de Versalhes. O palácio fora erguido sob as ordens de Luís XIV (1643-1715) para celebrar o poderio e a glória da França e do rei que fez do Sol o símbolo de seu reinado. A visita de Clemenceau, em junho de 1919, é para verificar obras que mandou fazer no cenário escolhido por ele para a assinatura do tratado de paz entre os Aliados e a Alemanha, vencida na guerra de 1914-1918. A Grande Guerra (depois chamada Primeira Guerra Mundial) durou quatro anos, causou 10 milhões de mortes e extensa destruição. Catástrofe que seria largamente ultrapassada pela Segunda Guerra Mundial, para cuja eclosão o Tratado de Versalhes contribuiu.

Clemenceau detém-se na Galeria dos Espelhos, magnífico salão de 70 metros de comprimento e largura de 10, com uma cúpula que se eleva a 13 metros, paredes de mármore, iluminadas por grandes lustres de cristal e decoradas com belas pinturas, presentes em todo o palácio. Por grandes portas voltadas para os jardins, a luz entra e reflete nos 357 grandes espelhos que dão nome à galeria. Passam pelo pensamento do “Tigre” cenas antigas de meio século, quando o então jovem deputado da Assembleia Nacional viveu a Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871: a debacle francesa; a derrota na batalha de Sedan; o imperador Napoleão III prisioneiro; o chanceler prussiano Otto von Bismarck escolhendo aquela mesma galeria para proclamar a existência do II Reich, o Império Alemão, estando ali presentes o rei da Prússia, Guilherme I, e um auditório de oficiais alemães em brilhantes uniformes de gala.

Notabilizado pela intensidade da paixão pela França e por simétrico ódio pela Alemanha, Clemenceau preparou e dirigiu a cerimônia de assinatura com a mesma ferocidade com que fizera a guerra e presidira a Conferência de Paris que elaborou o tratado. Convalidava o cognome de “O Tigre” a figura física, os enormes bigodes a escorrerem por sobre a boca e o olhar de predador. Ferocidade alterada com tino político, provado na luta pelos interesses franceses durante as negociações de paz. Com o minucioso preparo do cenário e do ritual de assinatura do Tratado de Versalhes, “O Tigre” coroava a vitória e a revanche. Da França e dele mesmo.

Assim como Clemenceau, grande ator da Conferência, David Lloyd George (1863-1945), fiel à divisa enunciada pelo primeiro ministro, seu antecessor: “A Inglaterra não tem amigos, nem inimigos. Tem interesses”. E Vittorio Emanuele Orlando (1860-1952), primeiro-ministro da Itália, defendendo apaixonadamente as reivindicações de sua pátria.

A estrela maior do Tratado de Versalhes e da Conferência de Paris que o produziu foi Tomas Woodrow Wilson (1856-1924), por ser o presidente dos Estados Unidos e pelas ideias proclamadas no discurso chamado os “Catorze Pontos de Wilson”. Inovador e revolucionário, o discurso pregava a adoção de princípios éticos na política exterior e, em particular, no futuro tratado de paz; e preconizava a constituição de um organismo internacional, a Liga das Nações, capaz de fazer com que a negociação substituísse a guerra na solução das controvérsias internacionais.

Em torno desse grandes atores, estavam outros menores, alguns notáveis, como Eleutherio Venezielos, presidente da Grécia; o príncipe Kimmochi Saionji, do Japão; Louis Botha, soldado e estadista da África do Sul. Na legião de coadjuvantes, influenciadores de importantes decisões, destacava-se o “coronel” House. Friorento, magrinho, de fala suave, ele repetia: “Não quero nada, só quero ajudar”. Não precisava querer, possuía o poder de fato decorrente de “ter o ouvido do chefe” Wilson, que lhe dizia: “Você é a única pessoa no mundo com quem posso discutir tudo”.  Chamavam o milionário texano Edward Mandell House (1858-1938) de coronel, posto puramente honorífico. O presidente e seu grande amigo terminaram desafetos, em circunstancias até hoje pouco claras. Quando o rompimento entre eles se deu, House era o alter ego de Wilson nas negociações de paz, da qual foi minucioso cronista. Convocados apenas para assinar, com lugares na mesa correspondentes ao que nos julgamentos se reservam aos réus, os dois delegados da Alemanha vencida.

Minucioso, complexo, admirado e detestado, relevante e polêmico, o Tratado de Versalhes esta presente no temário das instituições de estudos político-diplomáticos, volta e meia relembrado ao grande público, a propósito de questões internacionais. O documento, assinado a 28 de junho de 1919, foi a resultante possível do esforço de conciliação entre ideias e posições divergentes, e mesmo conflitantes. Divergências que pontilharam seis meses de negociações na Conferência de Paris, estenderam-se após a assinatura do tratado e que estão registradas em documentos emitidos em dois momentos da guerra: os “Catorze Pontos de Wilson”, constantes no discurso do presidente dos Estados Unidos perante o Congresso, em 8 de janeiro de 1918, e o acordo de Armistício, celebrado dez meses depois, a 11 de novembro de 1918, entre os Aliados e a Alemanha vencida.

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