Georges Clemenceau (1841-1929), “O Tigre”,
presidente do Conselho de Ministros da França e da Conferência de Paz de Paris,
percorre o Palácio de Versalhes. O palácio fora erguido sob as ordens de Luís
XIV (1643-1715) para celebrar o poderio e a glória da França e do rei que fez
do Sol o símbolo de seu reinado. A visita de Clemenceau, em junho de 1919, é
para verificar obras que mandou fazer no cenário escolhido por ele para a
assinatura do tratado de paz entre os Aliados e a Alemanha, vencida na guerra
de 1914-1918. A Grande Guerra (depois chamada Primeira Guerra Mundial) durou
quatro anos, causou 10 milhões de mortes e extensa destruição. Catástrofe que
seria largamente ultrapassada pela Segunda Guerra Mundial, para cuja eclosão o
Tratado de Versalhes contribuiu.
Clemenceau detém-se na Galeria dos Espelhos,
magnífico salão de 70 metros de comprimento e largura de 10, com uma cúpula que
se eleva a 13 metros, paredes de mármore, iluminadas por grandes lustres de
cristal e decoradas com belas pinturas, presentes em todo o palácio. Por
grandes portas voltadas para os jardins, a luz entra e reflete nos 357 grandes
espelhos que dão nome à galeria. Passam pelo pensamento do “Tigre” cenas
antigas de meio século, quando o então jovem deputado da Assembleia Nacional
viveu a Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871: a debacle francesa; a derrota na
batalha de Sedan; o imperador Napoleão III prisioneiro; o chanceler prussiano
Otto von Bismarck escolhendo aquela mesma galeria para proclamar a existência
do II Reich, o Império Alemão, estando ali presentes o rei da Prússia,
Guilherme I, e um auditório de oficiais alemães em brilhantes uniformes de
gala.
Notabilizado pela intensidade da paixão pela
França e por simétrico ódio pela Alemanha, Clemenceau preparou e dirigiu a
cerimônia de assinatura com a mesma ferocidade com que fizera a guerra e
presidira a Conferência de Paris que elaborou o tratado. Convalidava o cognome
de “O Tigre” a figura física, os enormes bigodes a escorrerem por sobre a boca
e o olhar de predador. Ferocidade alterada com tino político, provado na luta
pelos interesses franceses durante as negociações de paz. Com o minucioso
preparo do cenário e do ritual de assinatura do Tratado de Versalhes, “O Tigre”
coroava a vitória e a revanche. Da França e dele mesmo.
Assim como Clemenceau, grande ator da
Conferência, David Lloyd George (1863-1945), fiel à divisa enunciada pelo
primeiro ministro, seu antecessor: “A Inglaterra não tem amigos, nem inimigos.
Tem interesses”. E Vittorio Emanuele Orlando (1860-1952), primeiro-ministro da
Itália, defendendo apaixonadamente as reivindicações de sua pátria.
A estrela maior do Tratado de Versalhes e da
Conferência de Paris que o produziu foi Tomas Woodrow Wilson (1856-1924), por
ser o presidente dos Estados Unidos e pelas ideias proclamadas no discurso
chamado os “Catorze Pontos de Wilson”. Inovador e revolucionário, o discurso
pregava a adoção de princípios éticos na política exterior e, em particular, no
futuro tratado de paz; e preconizava a constituição de um organismo
internacional, a Liga das Nações, capaz de fazer com que a negociação substituísse
a guerra na solução das controvérsias internacionais.
Em torno desse grandes atores, estavam
outros menores, alguns notáveis, como Eleutherio Venezielos, presidente da
Grécia; o príncipe Kimmochi Saionji, do Japão; Louis Botha, soldado e estadista
da África do Sul. Na legião de coadjuvantes, influenciadores de importantes
decisões, destacava-se o “coronel” House. Friorento, magrinho, de fala suave,
ele repetia: “Não quero nada, só quero ajudar”. Não precisava querer, possuía o
poder de fato decorrente de “ter o ouvido do chefe” Wilson, que lhe dizia:
“Você é a única pessoa no mundo com quem posso discutir tudo”. Chamavam o milionário texano Edward Mandell
House (1858-1938) de coronel, posto puramente honorífico. O presidente e seu
grande amigo terminaram desafetos, em circunstancias até hoje pouco claras.
Quando o rompimento entre eles se deu, House era o alter ego de Wilson nas
negociações de paz, da qual foi minucioso cronista. Convocados apenas para
assinar, com lugares na mesa correspondentes ao que nos julgamentos se reservam
aos réus, os dois delegados da Alemanha vencida.
Minucioso, complexo, admirado e detestado,
relevante e polêmico, o Tratado de Versalhes esta presente no temário das
instituições de estudos político-diplomáticos, volta e meia relembrado ao
grande público, a propósito de questões internacionais. O documento, assinado a
28 de junho de 1919, foi a resultante possível do esforço de conciliação entre
ideias e posições divergentes, e mesmo conflitantes. Divergências que
pontilharam seis meses de negociações na Conferência de Paris, estenderam-se
após a assinatura do tratado e que estão registradas em documentos emitidos em
dois momentos da guerra: os “Catorze Pontos de Wilson”, constantes no discurso
do presidente dos Estados Unidos perante o Congresso, em 8 de janeiro de 1918,
e o acordo de Armistício, celebrado dez meses depois, a 11 de novembro de 1918,
entre os Aliados e a Alemanha vencida.
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