quinta-feira, 29 de março de 2012

INFERNO EM WALL STREET


A Crise de 1929 e a queda do Muro de Berlim em 1989 marcam momentos em que o interesse nacional dos Estados Unidos se afirma de modo explícito e até desconcertante para alguns parceiros no jogo internacional. Houve dois importantes momentos em que Wall Street tornou-se um “inferno” e, mais especificamente, um inferno com profundas implicações sobre os padrões de desenvolvimento dos países da periferia do sistema, como o Brasil.

A Crise de 1929 transformou o capitalismo para sempre. No final do século XX, a euforia provocada pela “vitória do capitalismo sobre o comunismo” abriu uma bolha especulativa que estourou com a Crise Asiática (1997), e depois com todo o sistema bancário internacional, por contágios sucessivos, levando a uma intensa reestruturação dos mercados internacionais de capitais. As perdas patrimoniais com o estouro da bolha “ponto.com” e a desinflação do consumo e do crédito imobiliário na economia americana ainda abalam o conjunto do sistema internacional de pagamentos, embora claramente o império de Bretton Woods continue ditando as regras do jogo.

A percepção da economia monetária como um jogo e a própria ideia de que é necessário criar espaços em que suas regras sejam negociadas de modo praticamente contínuo são resultados do aprendizado em economia monetária, mas também em planejamento de economia de guerra, que avançaram muito com a Crise de 1929 e as duas guerras mundiais. Os milhões de mortos em campos de batalha e em campos de concentração nazistas pagaram por um aprendizado civilizatório que a hegemonia do dólar põe à prova.

Os dois marcos históricos, 1929 e 1989, são limites mais ou menos claros de um longo ciclo, de 70 anos, de desenvolvimento econômico e tecnológico, em geral, mas não exclusivamente liderado pelos Estados Unidos, seguidos por Grã-Bretanha, França, Alemanha e Japão. As duas grandes crises financeiras tiveram como alguns dos fenômenos mais visíveis a quebra das bolsas em 1929 e a quebra dos países em desenvolvimento nos anos 1980 e 1990.

O inferno de 1929 deixou esta clara lição: não há capitalismo sem intervenção do Estado para evitar rupturas extremas no funcionamento dos mercados e sociedades. Hoje isso ainda não é um lugar-comum, mas é flagrante a diferença entre o Fed dos anos 1920, que, diante do colapso dos mercados, deixou o ajuste seguir seu curso, e o Fed do século XXI, que não titubeia ao injetar bilhões de dólares no sistema financeiro diante de crises como a do Long Term Credit Management em 1998 ou a do crédito imobiliário de 2007.

Nos anos 1930, Estados Unidos e Europa seguiram caminhos semelhantes, apostando na atuação forte do Estado, mas só resolveram a crise duas bombas atômicas depois, num pacto de prosperidade comandado por Washington e Londres. Esse pacto econômico-financeiro ficou na história como o Sistema de Bretton Woods, em que uma endividada Grã-Bretanha cedia aos “novos ricos” transatlânticos a prerrogativa na reconstrução do mundo à sua imagem e semelhança.

O sistema monetário internacional desenhado pelos americanos dedicados ao planejamento estratégico do mundo do pós-guerra faz sentido apenas na medida em que é indissociável da polarização entre mundo capitalista e um “altermundo” comunista. A adesão ao dólar é o modo concreto como se dá o delineamento das fronteiras do capitalismo e da hegemonia americana no sistema global. O desafio, é importante ressaltar, não surgiu com a guerra, mas era anterior, na medida em que a União Soviética se antecipou e colocou, assim como a Alemanha nazista, Estado e instituições da sociedade civil em linha para organizar os mercados e a competição imperialista, enquanto banqueiros e lideranças políticas do mundo ocidental acreditavam na força e na inércia auto regeneradora dos mercados diante do caos de 1929.

O modelo de dominação monetária estabelecido em Bretton Woods inspirou-se numa ideologia de polarização extrema e suas regras concorreram para fazer da própria polarização uma forma de legitimação. No entanto, desde a crise do dólar, nos anos 1970, o “papel civilizatório” do dólar tem sido colocado em xeque. Oficialmente, o Sistema de Bretton Woods foi por terra em 1971, quando o presidente Richard Nixon declarou que deixava de existir a obrigação de oferecer lastro em ouro para o dólar em circulação na economia mundial.

Na prática, Nixon apenas tornou explícita a regulação da violência que é tácita, implícita em todo e qualquer processo econômico mediado por moedas soberanas. Mesmo sem o ouro como referência, o dólar e as instituições financeiras que giram em torno desse ícone continuam dominando a economia mundial, trinta anos depois do que teria sido o momento final dos acordos de Bretton Woods. A criação do euro, no entanto, reflete uma evolução do sistema que, mais uma vez, demonstra a relação intrínseca entre a existência de moedas e a capacidade de monopolização de poder, conhecimento e riqueza.

Diante de pressões crescentes na demanda global por ouro, ocasionadas pela inflação combinada com a fixação do preço do ouro, o sistema pareceu entrar em colapso em 1971, em seguida à suspensão pelos Estados Unidos da convertibilidade do dólar em ouro. Porém, até o final da década de 1970, o Sistema Bretton Woods era efetivo no controle de conflitos e na obtenção das metas comuns aos países que o haviam criado, especialmente os Estados Unidos.

Nos anos 1980, depois que o Fed promoveu um choque de juros para combater a inflação gerada por dois choques sucessivos nos preços do petróleo, a dívida externa dos países em desenvolvimento saiu do controle e várias moratórias e cancelamentos de dívida ocorreram, tanto negociados quanto provocados por crises nas contas externas dos países endividados, como o Brasil. O FMI atuou em todos os processos como regulador e supervisor, promovendo ajustes recessivos e modelos econômicos exportadores para aumentar a capacidade de pagamento dos devedores.

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