A Crise de 1929 e a queda do Muro de Berlim
em 1989 marcam momentos em que o interesse nacional dos Estados Unidos se
afirma de modo explícito e até desconcertante para alguns parceiros no jogo
internacional. Houve dois importantes momentos em que Wall Street tornou-se um
“inferno” e, mais especificamente, um inferno com profundas implicações sobre
os padrões de desenvolvimento dos países da periferia do sistema, como o
Brasil.
A Crise de 1929 transformou o capitalismo
para sempre. No final do século XX, a euforia provocada pela “vitória do
capitalismo sobre o comunismo” abriu uma bolha especulativa que estourou com a
Crise Asiática (1997), e depois com todo o sistema bancário internacional, por
contágios sucessivos, levando a uma intensa reestruturação dos mercados
internacionais de capitais. As perdas patrimoniais com o estouro da bolha
“ponto.com” e a desinflação do consumo e do crédito imobiliário na economia
americana ainda abalam o conjunto do sistema internacional de pagamentos,
embora claramente o império de Bretton Woods continue ditando as regras do
jogo.
A percepção da economia monetária como um
jogo e a própria ideia de que é necessário criar espaços em que suas regras
sejam negociadas de modo praticamente contínuo são resultados do aprendizado em
economia monetária, mas também em planejamento de economia de guerra, que
avançaram muito com a Crise de 1929 e as duas guerras mundiais. Os milhões de
mortos em campos de batalha e em campos de concentração nazistas pagaram por um
aprendizado civilizatório que a hegemonia do dólar põe à prova.
Os dois marcos históricos, 1929 e 1989, são
limites mais ou menos claros de um longo ciclo, de 70 anos, de desenvolvimento
econômico e tecnológico, em geral, mas não exclusivamente liderado pelos
Estados Unidos, seguidos por Grã-Bretanha, França, Alemanha e Japão. As duas
grandes crises financeiras tiveram como alguns dos fenômenos mais visíveis a
quebra das bolsas em 1929 e a quebra dos países em desenvolvimento nos anos
1980 e 1990.
O inferno de 1929 deixou esta clara lição:
não há capitalismo sem intervenção do Estado para evitar rupturas extremas no
funcionamento dos mercados e sociedades. Hoje isso ainda não é um lugar-comum,
mas é flagrante a diferença entre o Fed dos anos 1920, que, diante do colapso
dos mercados, deixou o ajuste seguir seu curso, e o Fed do século XXI, que não
titubeia ao injetar bilhões de dólares no sistema financeiro diante de crises
como a do Long Term Credit Management em 1998 ou a do crédito imobiliário de
2007.
Nos anos 1930, Estados Unidos e Europa
seguiram caminhos semelhantes, apostando na atuação forte do Estado, mas só
resolveram a crise duas bombas atômicas depois, num pacto de prosperidade
comandado por Washington e Londres. Esse pacto econômico-financeiro ficou na
história como o Sistema de Bretton Woods, em que uma endividada Grã-Bretanha
cedia aos “novos ricos” transatlânticos a prerrogativa na reconstrução do mundo
à sua imagem e semelhança.
O sistema monetário internacional desenhado
pelos americanos dedicados ao planejamento estratégico do mundo do pós-guerra
faz sentido apenas na medida em que é indissociável da polarização entre mundo
capitalista e um “altermundo” comunista. A adesão ao dólar é o modo concreto
como se dá o delineamento das fronteiras do capitalismo e da hegemonia
americana no sistema global. O desafio, é importante ressaltar, não surgiu com
a guerra, mas era anterior, na medida em que a União Soviética se antecipou e
colocou, assim como a Alemanha nazista, Estado e instituições da sociedade
civil em linha para organizar os mercados e a competição imperialista, enquanto
banqueiros e lideranças políticas do mundo ocidental acreditavam na força e na
inércia auto regeneradora dos mercados diante do caos de 1929.
O modelo de dominação monetária estabelecido
em Bretton Woods inspirou-se numa ideologia de polarização extrema e suas
regras concorreram para fazer da própria polarização uma forma de legitimação.
No entanto, desde a crise do dólar, nos anos 1970, o “papel civilizatório” do
dólar tem sido colocado em xeque. Oficialmente, o Sistema de Bretton Woods foi
por terra em 1971, quando o presidente Richard Nixon declarou que deixava de
existir a obrigação de oferecer lastro em ouro para o dólar em circulação na
economia mundial.
Na prática, Nixon apenas tornou explícita a
regulação da violência que é tácita, implícita em todo e qualquer processo
econômico mediado por moedas soberanas. Mesmo sem o ouro como referência, o
dólar e as instituições financeiras que giram em torno desse ícone continuam
dominando a economia mundial, trinta anos depois do que teria sido o momento
final dos acordos de Bretton Woods. A criação do euro, no entanto, reflete uma
evolução do sistema que, mais uma vez, demonstra a relação intrínseca entre a
existência de moedas e a capacidade de monopolização de poder, conhecimento e
riqueza.
Diante de pressões crescentes na demanda
global por ouro, ocasionadas pela inflação combinada com a fixação do preço do
ouro, o sistema pareceu entrar em colapso em 1971, em seguida à suspensão pelos
Estados Unidos da convertibilidade do dólar em ouro. Porém, até o final da
década de 1970, o Sistema Bretton Woods era efetivo no controle de conflitos e
na obtenção das metas comuns aos países que o haviam criado, especialmente os
Estados Unidos.
Nos anos 1980, depois que o Fed promoveu um
choque de juros para combater a inflação gerada por dois choques sucessivos nos
preços do petróleo, a dívida externa dos países em desenvolvimento saiu do
controle e várias moratórias e cancelamentos de dívida ocorreram, tanto
negociados quanto provocados por crises nas contas externas dos países
endividados, como o Brasil. O FMI atuou em todos os processos como regulador e
supervisor, promovendo ajustes recessivos e modelos econômicos exportadores
para aumentar a capacidade de pagamento dos devedores.
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